Formas de obter vinho doce de qualidade
Não é segredo para ninguém a paixão do brasileiro por um docinho. Essa preferência se estendeu também aos vinhos. Uma cena comum é ver as pessoas torcendo o nariz ao experimentar um rótulo seco. No entanto, você sabia que é possível apreciar um vinho doce de qualidade e sem adição extra de açúcar?
O segredo é conhecer os métodos de produção e os estilos de vinhos doce existentes para não errar mais. Listamos alguns deles neste texto. Para conferir, siga com a leitura. A sua saúde agradece!
Colheita tardia
O primeiro método que podemos citar entre os existentes na vinhos doces, é denominado colheita tardia. Em inglês, “late harvest“. Como o próprio nome sugere, refere-se ao fato da vindima ser realizada já em uma fase na qual as uvas estão em um estágio avançado de maturação. Inclusive, algumas cepas já podem até estar em forma passificada no cacho, sabia?
Nesse período, aumenta-se o nível e a concentração de açúcares naturais da fruta e, consequentemente, de sabores.
É mais popular em regiões onde o clima é considerado propício para o desenvolvimento de uvas maduras e doces, e que apresentam condições climáticas ideais, como outonos longos e secos.
Algumas uvas específicas, como riesling, gewürztraminer, moscato, chenin blanc, semillon, entre outras, dão origem aos vinhos de colheita tardia.
Ainda que seja uma técnica que exige cuidado e precisão por parte dos viticultores, quando feita da forma ideal, cria rótulos de perfil aromático e sabor intenso, com notas de frutas maduras, mel, flores e especiarias, e de doçura equilibrada. Características que costumam conquistar apreciadores de vinhos doces em todo o mundo!
Botritização
A botritização é um fenômeno natural que ocorre nas uvas e também pode resultar em vinhos doces.
Também conhecida como “podridão nobre“, nada mais é do que uma condição fúngica que afeta as castas em determinadas condições climáticas através do fungo Botrytis cinerea. Esse processo ocorre de forma positiva e entrega uma uva de qualidade para a produção de um vinho botritizado.
O fungo penetra a casca de uvas já maduras e causa a desidratação parcial dos bagos. A partir desse feito, ocorre uma concentração natural de açúcar, ácidos e compostos aromáticos.
Nos rótulos cuja técnica é aplicada é possível notar aromas de frutas maduras, mel, damasco, figo, flores e especiarias. Podem ser harmonizados com queijos azuis, foie gras, frutas frescas, tortas de frutas e sobremesas à base de creme. Eles também podem ser apreciados sem nenhum acompanhamento.
O fato de nem todas as safras ou regiões vinícolas serem capazes de produzir vinhos botritizados, torna os rótulos existentes ainda mais especiais e valorizados. Não por acaso, costumam desenvolver ainda mais complexidade com o passar do tempo. É o caso dos desenvolvidos na região de Sauternes, na França, e na Austrália.
Tokaji
Originários da região de Tokaj-Hegyalja, na Hungria, esses vinhos botritizados são produzidos a partir das uvas furmint, hárslevelű e moscatel. São classificados por puttonyos, nome das cestas que, antigamente, eram utilizadas para fazer a colheita dessas uvas.
Conhecidos por sua doçura e complexidade, podem ter diferentes níveis de doçura. A depender do rótulo, apresentam aromas de frutas cítricas, tropicais ou secas, mel e flores, além de especiarias como canela, cravo e gengibre. A harmonização pode ser feita com queijos de mofo azul e frutas secas, como tâmaras e figos.
Passificação
A passificação é o nome dado ao processo de secagem dos bagos das uvas. Nele, também há a desidratação da fruta, mas após a colheita.
Os rótulos desse estilo tendem a ser mais concentrados e doces. Também costumam apresentar maior teor alcoólico. Podem ser harmonizados com chocolates amargos e meio amargos, frutas secas e queijos de mofo branco e azul.
Existem diferentes técnicas que alcançar esse objetivo, entre elas:
Passificação natural
Na passificação natural, as uvas se mantêm no pé para que possam secar naturalmente. A desidratação pode levar semanas ou meses, dependendo das condições climáticas. Conforme a água evapora, os açúcares se concentram.
Passificação em ambiente controlado
Neste método, as uvas são expostas em salas ou câmaras especiais com controle de umidade e temperatura. Esse método é frequentemente utilizado na produção de vinhos de colheita tardia.
Passificação por apassimento ou esteiras
Ao passo que a passificação por apassimento é muito aplicada na produção de vinhos encorpados e extremamente aromáticos, como é o caso do Amarone e Recioto, produzidos na região do Vêneto, na Itália. Depois de colhidas, as uvas são colocadas em esteiras ou bandejas ventiladas para secar em locais abertos ou em galpões especiais, os “fruttai“.
Fortificação
Os vinhos fortificados recebem essa definição pois sofrem uma adição extra de álcool, geralmente na forma de aguardente vínica ou mosto concentrado retificado, com o propósito de interromper a fermentação e preservar um teor de açúcar mais elevado.
Originário da região do Vale do Douro, em Portugal, o Vinho do Porto é um dos vinhos fortificados mais populares. Ele é produzido a partir de uma variedade de uvas cultivadas no vale do Douro e envelhecido em barricas de carvalho. Varia em estilo, termos de idade, doçura e complexidade.
Durante o processo de produção do Vinho do Porto é adicionado Mosto Concentrado Retificado (MCR), substância obtida por meio da concentração do sumo das uvas através de processos de evaporação ou congelamento, seguido pela retificação, que tem como propósito ajustar a composição e o equilíbrio do mosto. Ao adicioná-lo, o teor de açúcar aumenta e o potencial alcoólico do vinho é elevado.
Outro exemplo de fortificado é o vinho Jerez ou Xerez. Proveniente da região de Jerez, na Espanha, especificamente em Andaluzia. Os estilos doces são normalmente produzidos com as uvas pedro ximénez e moscatel. A pedro ximénez proporciona aos rótulos aromas de figo e tâmara, enquanto que a moscatel tem dulçor elevado e aromas de caramelo e baunilha.
Um fator interessante sobre os vinhos Jerez é que eles passam por um processo de envelhecimento em solera, no qual safras de diferentes idades são misturadas para obter harmonização e complexidade únicas.
Os vinhos fortificados vão bem como aperitivos, digestivos ou acompanhando uma variedade de pratos, desde queijos até sobremesas.
Moscato de Rutherglen
O Moscato de Rutherglen é mais um exemplo de vinho doce e fortificado produzido na região de Rutherglen, localizada no estado de Victoria, na Austrália.
Aromático, é feito a partir da uva moscato. Para isso, é necessário que os bagos estejam bem maduros — tarefa facilitada graças ao clima australiano, que é quente e ensolarado. O líquido envelhece em barris por pelo menos cinco anos. No entanto, alguns rótulos chegam a ser preservados por um século.
Exibe notas intensas de frutas frescas, como pêssegos, laranjas, damascos e lichias, assim como aromas florais e toques cítricos. No paladar, é suave e sedutor, com sabores frutados e uma doçura equilibrada.
Tem baixa graduação alcoólica e doçura agradável, o que o torna uma escolha popular entre aqueles que preferem vinhos mais leves e acessíveis.
Colheita de uvas congeladas
Congelar as uvas é mais uma maneira de se obter vinhos doces de qualidade, sabia? Esses rótulos recebem o título de Icewine, sendo bem comuns em países como o Canadá. Por meio desse método de preservação, captura-se as características naturais da fruta e preserva-se tanto a doçura quanto o frescor.
Ao serem prensadas ainda congeladas, ocorre uma ruptura das células das uvas, o que facilita a extração do suco e dos açúcares presentes, tornando o mosto mais concentrado e doce. Depois de fermentado, temos um rótulo naturalmente adocicado. A prática também é aplicada na fabricação de sucos ou geleias.
Os vinhos de sobremesa
Muito desse paladar apaixonado por vinho doce está atrelado à história da produção vitivinícola no Brasil, que foi influenciada pela colonização portuguesa, a responsável por propagar a produção dos chamados vinhos de sobremesa.
O nome desse estilo se dá ao fato dele ser adequado para ser consumido após uma refeição, acompanhando ou complementando uma sobremesa como tortas, bolos, sorvetes, queijos azuis e frutas frescas. São apreciados em pequenas taças, para serem saboreados lentamente.
O fato é que os vinhos de sobremesa têm um sabor doce em comparação aos vinhos tranquilos ou secos. Costumam apresentar uma variedade de perfis aromáticos, que podem incluir notas de frutas maduras, mel, caramelo e especiarias. Tudo vai depender do método de produção aplicado.
Para alcançar a doçura ideal em um vinho de sobremesa, as diferentes técnicas que você conheceu neste texto, como colheita tardia, fortificação e passificação, podem ser aplicadas.
Com o passar do tempo, o mercado de vinhos brasileiros tem se ampliado e está cada vez mais diverso. Consequentemente, as portas têm estado abertas à comercialização de rótulos doces de qualidade, sem adição extra de açúcar.
A expectativa é de que o interesse sobre o universo dos vinhos continue crescendo e, aos poucos, essa tendência reflita em uma pluralidade de estilos, capazes de agradar aos mais diversos tipos de enófilos.
O caminho é sempre observar as informações expostas no rótulos para descobrir se aquele é ou não um rótulo doce de qualidade, ou seja, sem adição de açúcar. Os vinhos de colheita tardia (ou late harvest), por exemplo, costumam vir com a identificação já na parte frontal.
E se você conhece alguém que não abre mão de um vinho suave, aproveite para compartilhar este texto e prove que, sim, é possível apreciar uma bebida doce e ainda evitar um consumo excessivo de açúcar.
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Flávia
Sommelier internacional pela FISAR/UCS, pós-graduada em Marketing e Negócios do Vinho pela ESPM. Há 10 anos atuando no mercado e através de diversos canais de mídia especializados no mundo do vinho. Propago conhecimento para enófilos e amantes da bebida. Falar sobre vinhos é um prazer!